domingo, 9 de agosto de 2009

Nossos Abismos



"Há momentos na vida de um homem em que ele beira seus limites; é como se fosse a borda de um abismo: um passo à frente e a queda é irreversível. Mas poucos homens são capazes de reconhecer esta linha tênue quando a encontram; chegam a cair em seus abismos sem perceber; a vida se transforma, mas não se é capaz de conhecer o preciso instante em que ela começou a mudar. Assim, a maioria dos homens constrói sua vida com retalhos os mais diversos, e termina-a como um manto de remendos onde é impossível reconhecer o menino no ancião.

Alguns homens, não; têm a sorte, ou o azar, de perceber e identificar cada ponto limite de suas vidas; sofrem, tremem, escolhem. São lúcidos, são homens para quem a existência é mais penosa, pagam caro sua própria lucidez. Pierre estava em seu momento mais crucial; abandonava sua identidade, como a cobra abandona a pele desgastada depois do inverno; mas não sabia se o verão lhe traria uma pele nova e fresca. O passo já havia sido dado; não se conhecia ainda a profundidade do abismo, mas Pierre já se sentia viajando pelo espaço, caindo em direção ao fundo, como um meteoro nascido da explosão de estrelas distantes."


Trecho do livro "O Rastro do Jaguar", de Murilo Carvalho

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Saudades da Conchichina


Sempre que chega o verão e, consequentemente, mais tempo livre, a primeira coisa que nós, blogueiros, pensamos é que poderemos postar muitos e muitos textos, de todas as cores e texturas, de todas os pontos de vista - nossos, é claro - e de todos os lugares em que estivermos. Afinal, onde não há internet?
Agora vocês estão a espera que eu diga que eu fui para um lugar deserto, inacessível, sem internet e sem computador e por isso que não tenho actualizado o blog. Não, não fui para Conchichina e nem nada que se pareça.

É verão, o tempo tem estado fantástico, mas falta a Conchichina.

As minhas idéias são lentas, são lesmas, e demoram a tomar uma forma inteligível. Confesso que nem eu me entendo em um pensamento recém nascido. Tudo em meu pensamento precisa de maturação, de envelhecimento, de raízes. Caso contrário literalmente voam. Os meus pensamentos frescos são uma mistura de vários, que, se eu tivesse tempo considerável para acarinhá-los, exactamente como faziam os antigos filósofos gregos, eu não seria um blogueiro de meia-tigela, mas sim um filósofo.

Se a Conchichina é como eu penso, ao fim de alguns dias eu seria obrigado a dar uso a minha imaginação, e dentro em pouco eu teria o tomos I, II e III da minhas deambulações. Mas eu desconfio que nem a Conchichina é mais o que era.

Minha mente no verão é perigosa. Tenho pensado muito na lua, no céu, tenho tido aqueles pensamentos de criança de 10 anos de idade, do tipo: Qual o meu papel nisso tudo? Até onde vai o universo? Deus existe? Por que precisamos de Deus? E se estivermos a entender tudo errado? Juro que é isso.

Exactamente como disse antes. Tempo livre e minha cabecinha não funcionam muito bem no verão e, por isso, não escrevo.

Mas tudo pode mudar...

domingo, 2 de agosto de 2009

Le Peuple Migrateur

Um documentário de Jacques Perrin, com músicas de Bruno Coulais, o mesmo do filme "Os Coristas". Aqui foi chamado de "Aves Migratórias", e mostra nada mais do que a rota migratória de várias espécies de pássaros, acompanhando-as do início ao fim da sua jornada. Muitos grupos de aves passam por paisagens lindíssimas, tanto as naturais como as paisagens modificadas pelo homem. Atravessam países, continentes, só parando para descanso e alimento, tudo com intuito de voltar ao lugar onde nasceram, para também aí terem suas crias. Voam horas, dias a fio, sem se aperceber da beleza da paisagem por onde passam. Acho que o dom de apreciar o belo é somente humano. Por outro lado, o ser humano é o único ser que tem o poder de interromper o caminho, e a vida, destas aves sem propósito algum. Através da caça, da poluição, do comércio ilegal... Nós apreciamos o belo, devíamos nos contentar em fazer somente isso, e não querer aprisionar o belo.

O filme, ao contrário do filme "A Marcha dos Pinguins", tem pouquíssima narração. E, enquanto o filme dos pinguins era chatíssimo por causa dos sentimentos humanos que eles queriam forçosamente impingir ao pinguins, no Aves Migratórias a rara narração não nos permite entender os pássaros, não cria uma falsa empatia e nenhum sentimentalismo barato. As aves fazem isso há milhares de anos, elas conhecem o nosso planeta melhor do que nós. É puro instinto, um pouco de inteligência, a natureza no seu ritmo. Basta compreender isso.